quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Relatos de um Sobrevivente

Capítulo Segundo


A Fuga


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Quando nossos avós decidiram começar a construir essa comunidade, quase não existiam grupos como o nosso  naqueles tempos.
O mundo em que eles viviam era uma maré de terror, as cidades já estavam sem lei havia séculos. Animais selvagens e humanos animalizados viviam em antigas lojas e casas, as ruas eram lugares perigosos, as cidades eram lugares perigosos, mas para os últimos de nossa espécie, aquele era nosso habitat. Simplesmente não conseguíamos viver nas florestas, apesar de alguns desgarrados terem conseguido, apenas nas selvas de pedra é que tentávamos nos organizar e viver como antigamente.

Eles tiveram uma idéia brilhante. Eram descendentes de soldados de uma antiga milícia, um destacamento de soldados, que, 300 anos atrás, quando as sociedades entrara em colapso, eram soldados do sistema, e se juntaram ao governo para tentar restituir esse sistema. Tendo o sonho de um dia recriar aquela ordem, decidiram montar um lugar onde aquilo que as pessoas precisavam pudesse ser encontrada: Segurança.
A coisa mais valiosa nos dias de hoje é exatamente isso, segurança. Descendentes de um sistema capitalista, foi exatamente isso que criaram. Delimitaram um espaço tiraram todo tipo de animal selvagem, desgarrados ou perigo que houvesse nas redondezas, e cobravam de pessoas comuns para poderem morar naquelas residências. Em anos difíceis, lucro fácil.

Cobravam o que? Trabalho. Para residir ali, era preciso saber fazer alguma coisa que fosse útil à eles, assim foram criando uma ordem em meio ao caos.Todos caçavam, cozinhavam, faziam ferramentas artesanais, e coisas do tipo, e em troca, eles davam proteção.

Sendo sobreviventes de um destacamento militar, tinham armas de fogo. No começo eles abusaram desse poder, e mataram centenas de homens e animais na região, criando um ódio generalizado por toda e qualquer criatura que morasse por perto.
Com o tempo, como era de se esperar, a munição foi acabando, as armas quebravam, laminas foram enferrujando, e aquela sociedade, lucrativa e poderosa, 100 anos depois, começava a entrar em colapso.

Por sorte, nesses 100 anos, aquela pequena sociedade cresceu, atingindo quase 3 mil habitantes, e tinha um efetivo militar de 300 jovens, que usavam armas de fabricação caseira, facas e instrumentos cortantes.
Não fosse pelo tamanho da comunidade que havíamos criado, o anarquismo que sobrevivia a nossa volta teria nos matado, roído nossos ossos e nos deixado para apodrecer nas pedras daquela cidade que morria. Que todos os Deuses que já existiram tenham piedade de nós.

Os descendentes desse poder, eram os chamados "Sete Senhores", os homens que eram sangue do sangue daqueles que haviam colonizado aquelas terras.

Nenhum deles sobreviveu ao massacre daquele dia.

Que suas almas descansem em paz.



-


Corri.

 Corri com todas as forças que eu tinha para correr. Passei pela porta antes que os outros naquele quarto tivessem alguns segundos para processar a idéia de que nós, os mais poderosos da região havia 100 anos, estávamos sendo mortos.

Eu não fugia, pelo contrário, nem mesmo sabia para onde correr. Estava num estado de fúria. Furioso por aqueles homens que eu nem sabia quem eram, estarem matando aquelas pessoas que eram tão queridas para mim, furioso pelo fato de que tudo estava dando errado para mim naquela manhã, furioso por que não sabia onde a garota que eu amava estaria naquela hora, furioso por que nada estava dando certo.

Eu estava simplesmente furioso.

Atravessei a porta, corri por uma passagem, entrei num quarto e me atirei de uma janela. Um atirador estava atrás de um muro, 300 metros a frente, mas olhava n'outra direção. Saquei minha faca da bainha e corri pelos arbustos que Dona Carmen regava todos os dias pela manhã, junto de umas tulipas, das quais eu pisoteei. Nunca havia gostado daquelas flores mesmo.
Me joguei atrás de um poste e olhei novamente para o atirador. Ele vestia-se de preto, e tinha uma pistola na mão, uma bela faca de esfolar na bainha, junto de 3 cartuchos de munição e 2 granadas.
O sangue estava quente no meu corpo, em minhas veias circulava nada mais que adrenalina. Aqueles podiam ser os últimos segundos de minha vida.
Corri os últimos 50 metros até o homem. Para mim era como se passasse em câmera lenta. O soar dos tiros, meus pés tocando leves a relva, meu corpo cortando o vento a uma velocidade que nem mesmo eu sabia ser capaz de atingir.
Antes que eu percebesse, cheguei até ele. Não havia realmente pensado no que faria quando chegasse lá. Simplesmente me choquei, e quando percebi, estávamos tendo uma briga de vida ou morte enquanto rolávamos na terra.
Ele gritava palavras estranhas. Na verdade, o que me preocupava era o fato dele gritar. Aquilo iria atrair atenção para minha luta, e eu provavelmente tomaria algum tiro perdido.
Ele podia ter habilidade, mas eu era mais forte. Poucas pessoas eram mais fortes do que eu. Deslizei para cima dele e comecei a estrangula-lo. O homem começou a arranhar meus braços com suas unhas compridas, fazendo minha pele uma mistura de sangue, barro e grama.
Aquele grito estava me deixando louco.
Me cansei e enfiei minha mão suja de terra e sangue na boca dele, comecei a estrangula-lo e sufoca-lo ao mesmo tempo. Ele fez uma última tentativa desesperada de me arrancar do chão, mas não conseguiu e suas força sumiram logo em seguida.

Descansei por alguns segundos. Respirei e olhei para o rosto dele. Jovem como eu. Que pena.
Peguei as granadas, a arma e aquela faca. Achei ainda um isqueiro e um maço de cigarros, eu não via cigarros industrializados desde que um vendedor ambulante havia aparecido em nossa comunidade 5 anos antes. Na época, ele ofereceu 5 daquelas coisinhas exóticas em troca de uma das nossas mulheres. Um dos senhores pensou, conversou com os outros, e no fim, eles trocaram uma garota de uns 13 anos, uma mulher e um belo leitão por 10 cigarros, que os senhores fumaram alguns dias depois numa grande festa, muito alegre e divertida se bem me recordo, exceto, é claro, para a família que perdeu uma mãe e uma filha.

Enfiei aquilo tudo nos bolsos, prendi a faca no meu cinto, me escondi numa árvore e dei uma olhada na situação.
A rua principal era impossível. Corpos de pelo menos 15 conhecidos meus estavam jogados ali sem vida. As ruas paralelas iam sendo tomadas uma a uma. Nos telhados, atiradores em todas as direções. Foi então que uma brilhante idéia veio a minha mente:

Esgotos.

Era neles que, nos tempos onde nossas defesas não eram lá tão grandes, exceto pelas armas de fogo, que todos se escondiam nos momentos de perigo.
Por sorte um dos buracos estava ali alguns metros de mim. Arranquei com dificuldade a tampa e desci.

Era um lugar apertado, cabendo no máximo 2 homens abaixados, um ao lado do outro. Fiz uma planta da região em minha mente, e fui me arrastando.
Para onde? Era exatamente isso que me atormentava. Nosso "quartel general", uma antiga loja grande, era para onde todos iam quando haviam problemas e quando havia algo a comemorar. Lá deveria estar boa parte da cidade, e lá deveria morrer a maioria também.

O ataque veio do oeste, e vinha progredindo rápido em direção contrária. Com os tiros, as pessoas percebiam o perigo, e iam todas para o quartel. Como este ficava no centro, provavelmente ele já estava cercado. A unica resistência que poderiam fazer de lá, era usar algum dos fogos de artíficio antigos ou, com sorte alguma arma que tivessem roubado.

Os senhores deveriam estar fugindo pelos esgotos, e logo seriam seguidos pelo restante das pessoas. O problema é que era difícil se locomover naquele pequeno espaço. Na melhor das hipóteses haviam 800 pessoas no quartel. Talvez vinte, com sorte quarenta pessoas conseguissem fugir antes que os fogos, pedras, e seja lá o que eles arrumassem para tacar nos agressores acabasse, e então os malditos revidassem.

Seria uma carnificina.

Eu precisava salvar minha garota. Camila estava comigo já tinha quase um ano. Apesar de no começo eu não gostar realmente dela, havíamos aprendido a nos amar.
Ela era uma das meninas mais lindas da comunidade, tendo cabelos castanhos e lindos olhos azuis. Eu, o melhor dos recrutas, tendo passado de aspira, para soldado, para cabo e para sargento com pouco mais de 2 anos militando. O que a maioria fazia em dez, eu havia feito com dois, era o par ideal para ela.
Não vou mentir, eu havia começado com ela por sexo e status. Fazia parte. Era o meu show. O melhor tinha que ter o melhor.

Mas meu maldito coração havia começado a gostar dela, e eu não podia mais imaginar minha vida sem aqueles lindos olhos me encarando, ou aquelas mãos brancas e geladas acariciando meu peito nú nas noites sem luar.

Minha maldita consciência me fazendo abandonar tudo para ir salvar aquela garota. Eu rí. Podia ir salvar meus pais, algum grande amigo ou mesmo o maior numero de pessoas possível, mas corria atrás de uma leitoa com peitos. Maldito homem do qual eu havia me tornado.

Foi para próximo a casa dela que me arrastei. Saí do bueiro sujo de lama, excrementos e sangue. Atravessei (por sorte) um pequeno rio que cruzava nossa comunidade e tirei parte da sujeira. Não toda, claro, o riacho era raso, e além do mais, de algum lugar acima vinha descendo uma corrente de sangue, sujando a agua. Era melhor chegar para ela como um príncipe encantado vindo para a salvação, do que como um mendigo fedendo a merda.

Comecei a lembrar dos momentos que já havíamos passado juntos. Do dia em que levei ela até o topo de um prédio, e mostrei toda a cidade. Contei sobre as histórias que meu avô me contava, falando a ela de como aquele mundo fora movimentado, cheio de gritos, alegrias e risos. Das TV's, rádios, dos carros e dos aviões. Claro que dos aviões ela não acreditou, até eu duvidava um pouco daquilo.
Havíamos subido no alto edifício, e lá pedi ela em namoro. Ela sorriu e subiu em cima de mim, e fizemos amor aos pés de um mundo perdido.

Entrei na casa e subi um lance de escadas, estava mais calmo, pensando nela, e já ia me esquecendo dos problemas, era como se eu fosse entrar, e ela sorria para mim e todos os problemas fossem desaparecer. A paz que só ela era capaz de me proporcionar.

Coloquei a mão na maçaneta da porta e ouvi um grito, era ela.

Se alguém colocasse as mãos... argh! Jurei que iria se arrepender profundamente.

Respirei fundo,
E entrei.

E o mundo continuou conspirando contra o meu dia.
Maldito dia, maldito dia.

1 comentários:

æ ± FabiiH ╚ ╩ disse...

Nossa muito bom, gostei mesmo.não posso esperar para ler o terceiro capitulo *-*, a e quando estiver pronto avisa lá no forms... heheh té maiis e parabeens esta muito bom

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