terça-feira, 26 de outubro de 2010

Entre Saltos e Armas

Por Tatiane Galimberti


Capítulo Primeiro

Era só mais uma daquelas noites em que me via acordar gritando, banhada em suor. Eu já deveria estar acostumada com esse tipo de pesadelo afinal, mas eram sempre assim: cruéis e assustadores.
Fiz o que sempre fazia após os ataques de pesadelo: caminhei até a cozinha e bebi um copo com água e açúcar. O que não adiantava em nada, pois eu sempre demorava uns longos vinte minutos até me recompor novamente. Mas simbolicamente, água e açúcar estariam me acalmando.
Eu estava naquele apartamento novo, faria exatos oito meses, e sempre que eu acordava me perguntava “que lugar é esse?” e depois de percorrer meus olhos pelas paredes do novo quarto, me lembrava onde estava, e que o pesadelo na verdade, tinha sido real.
Fui até a sala, e sentei-me ainda com o copo com água entre as mãos. O relógio marcava 3 horas da manhã. Irônico. Em algumas seitas satânicas, 3 horas da manhã é considerada à hora do demônio. Esse bem podia ser um sinal! Talvez eu precisasse me converter. Eu ri de mim mesma sobre esse pensamento.
E agora o que eu faria? Ficaria ali sentada, olhando para o teto?
Desde que eu comecei a minha terapia, uma das ordens da minha terapeuta era que eu não deveria morar sozinha. E aqui estou, sozinha. Eu não quero a companhia de ninguém, estou bem assim. Pelo menos eu achava isso.
Adormeci ali mesmo no sofá. E quando acordei pela manhã com reflexos do sol que adentravam pela sala, notei que havia uma mensagem não lida no meu celular, que vibrava insistentemente.
Eu não fazia questão de manter contato com ninguém também. As pessoas haviam se tornado chatas e entediantes para mim.
- “Louise, pelo amor de Deus! Você não pode se esconder para sempre, minha filha. Eu sei que isso tudo foi muito difícil para você, mas tudo seria bem mais fácil se nos deixasse te ajudar. Nós te amamos. Por favor, me ligue de volta. Mamãe.”
Esse tipo de mensagem era frequente na minha caixa de mensagens. No começo eu até me comovia, mas depois de um tempo aprendi a ignorar. Era melhor assim. Já tinha dito à todos os meus parentes, amigos e até aos animais de estimação que eu não queria manter contato por algum tempo. Era como se eu tivesse tirado férias de todos.
Tomei um café rápido e fui me arrumar para o trabalho.
Sou advogada. Me formei aos 24 anos no curso de Direito. Aos 25 anos fui uma das juízas mais jovens a exercerem o cargo, e atualmente aos 43, posso dizer que trabalho somente por hobby. Não que as pessoas saibam disso. Faz parte do meu tratamento terapêutico ocupar a mente com alguma coisa. E trabalhar me pareceu uma ótima opção. Tentei fazer várias coisas como: cozinhar, entrar para o clube do livro, curso de pintura... mas não fui à frente com nenhum deles.
No trabalho, estava cuidado dos processos civis. Era uma coisa mais “light” para mim, dado tudo com que já trabalhei.
Minha cliente já estava me esperando quando cheguei.
- “Bom dia Sra. Weston”. – Falei educadamente.
- “Bom dia? Meu marido agora quer ficar com o cachorro! Isso não parece um bom dia para mim!”- A mulher cuspiu furiosa.
-“A senhora não ligou para o fato do seu marido exigir a guarda dos filhos, mas está furiosa pelo cachorro?”. – Me sentei calmamente na cadeira de frente para a mulher loira e siliconada, colocando minha bolsa sobre a mesa e a fitando perplexa.
-“Ted está na minha vida bem antes dos meus filhos”. – A loira enrola uma dos cachos loiros entre os dedos.
-“Você só pode estar brincando comigo!”- Confesso que sempre fui bem ética no que faço, mas isso já era demais.
-“Você está me julgando?” – A loira agora havia se levantado e estava gritando comigo.
-“Sim estou. Quem é que troca os filhos por um cachorro?”. – Perguntei sem mover meus olhos dos dela.
Eu realmente não tinha o menor jeito de lidar com gente desse tipo. E não é o certo, porque nós advogados devemos lidar com cada caso em particular com a maior imparcialidade possível. Tentei me segurar, mas não deu, fazer o que.
Eu já ia começar a falar umas boas coisas para a dondoca à minha frente, quando fui interrompida pelo chefe do escritório.
- “Louise, o que está havendo?”. – Ele abriu a porta, e fitou primeiramente à mim e depois a mulher em pé.
-“Isso é uma falta de respeito com os clientes”. – A mulher agarrou sua bolsa cheia de fru frus e saiu correndo da sala.
“Me desculpe, David”. – Comecei sinceramente. E estava mesmo sendo sincera, pois não queria atrapalhar o negócio de ninguém ali. “Ela se importa mais com o cachorro do que com os filhos”. – Olhei para ele com um ar desesperador.
-“Eu já esperava que isso fosse acontecer algum tempo, Lou”. – Ele abaixou a cabeça. “Quando eu concordei em te deixar trabalhar aqui, sabia que logo você deixaria seus sentimentos atrapalharem seu trabalho”.
Eu olhei para ele incrédula. Não acreditava no que estava ouvindo. Eu sempre fui boa no trabalho. Se a minha vida pessoal era um lixo, não podia dizer o mesmo da minha vida profissional. Ele era o único do escritório que sabia dos meus problemas. E isso era tão injusto.
-“Isso não tem nada haver com...”. – Eu já ia protestar, quando ele me completou da maneira mais fria possível.
-“Com você ter visto seus dois filhos serem mortos na sua frente? Tem certeza que não?”.
Silêncio.

3 comentários:

Dani disse...

Lindo, profundo e agora quero ler mais!! só vc mesmo tati pra fazer algo tão bom assim :)

Clara disse...

Ai, concordo com a Dani!!! Também quero mais ): não dá vontade de parar.. fazia tempo que eu não lia alguma coisa assim, que prendesse minha atenção etc. Bjo *-*

Gryds disse...

Meu Deeeus. Perfeito, Tati, sério.

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